Capítulo 1 - Os anos que precederam a imigração. (1)

Gannen-mono: os primeiros emigrantes para o ultramar.

Van Reed e os emigrantes para o Havaí.

A emigração em grupos de nacionais japoneses para o ultramar começa com o envio de cerca de 40 pessoas para a ilha de Guam e 153 pessoas para o Havaí em 1868 (primeiro ano da era Meiji) e outras 40 pessoas (número estimado) para o estado da Califórnia, em 1869.

Em sua maioria destinados ao trabalho nas plantações de cana, os emigrantes que partiram com destino ao Havaí — e que mais tarde ficaram conhecidos como “gannen-mono” (gannen= =primeiro ano de uma era, no caso, a era Meiji) — foram recrutados pelo então cônsul do Havaí no Japão, Eugene M. van Reed (o consulado à época tinha sua sede na cidade de Yokohama), através de uma agência de recrutamento no bairro de Keihin. A maioria dos candidatos era composta por pequenos artesãos, embora lavradores e samurais também pudessem ser vistas entre eles.

Van Reed havia obtido diretamente do governo feudal os certificados de permissão para emigrar (“passaportes”), mas a instauração de um novo governo, que não reconhecia a legitimidade dessa permissão, fez com que a saída dos primeiros emigrantes se realizasse à força. O vapor Scioto, que levava os emigrantes, zarpou de Yokohama no dia 17 de maio de 1868 (25 de abril do 4.º ano da era Keiō, no calendário antigo) e atracou no porto de Honolulu a 20 de junho (1.º de maio, no calendário antigo), após um mês de viagem.

A viagem em si se deu sem maiores problemas, mas, uma vez enviados às fazendas de destino, os emigrantes tiveram de lutar contra um clima a que não estavam habituados e enfrentar uma série de privações provocadas pelos altos preços das mercadorias, de modo que, em dezembro daquele mesmo ano, o líder, Tomisaburō Makino, se viu forçado a enviar ao governo japonês uma petição de ajuda.

A visita do enviado especial Kagenori Ueno às ilhas havaianas.

A fim de pôr termo à questão, o novo governo decidiu enviar ao Havaí o supervisor geral Kagenori Ueno. Ueno e sua comitiva chegaram ao Havaí em 27 de dezembro de 1869 (25 de novembro do 2.º ano da era Meiji, no calendário antigo) depois de fazer escala em São Francisco. Ao cabo de uma série de negociações com o ministro das relações exteriores do Havaí (Harris), ficou acertado, em 11 de janeiro de 1870, o retorno dos 40 japoneses que haviam solicitado a repatriação imediata e o envio dos demais imigrantes ao Japão às custas do governo havaiano após o término do contrato. A 7 de março chegaram a Yokohama os quarenta imigrantes e uma criança que havia nascido no Havaí e a 26 de março retornou ao Japão o supervisor Ueno, que havia embarcado em outro navio.

Dali em diante, situações como essa marcariam os primeiros anos da emigração em diversos locais que optaram pela mão-de-obra japonesa.

  • Imagem «Enviado especial ao Havaí, supervisor geral Kagenori Ueno, 3 de setembro de 1869»

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  • Imagem «Registro das negociações entre Kagenori Ueno e o Ministro das Relações Exteriores do Havaí»

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O pico da emigração para o Havaí.

Emigração intermediada pelo governo.

Após o incidente com os gannen-mono, o governo japonês continuou recusando todos os pedidos de remessa de emigrantes japoneses (a começar pelo Havaí), até que, em 1884, o governo autorizou o envio de emigrantes para o estreito de Torres, localizado entre a península de Cape York, no nordeste australiano, e as ilhas da Nova Guiné, sendo estes emigrantes destinados à coleta de pérolas no mar. No ano seguinte, também a emigração para o Havaí foi autorizada pelo governo. A emigração propriamente dita teve início em janeiro de 1885, graças ao esforço conjunto dos dois governos, enquanto que o Tratado de Navegação Japão-Havaí (“Hawai-koku seifu to teiketsu seru tokō jōyaku”) só veio a ser ratificado um ano depois, possibilitando ao todo o envio de 26 levas de emigrantes (mais tarde denominados “emigrantes contratados através do governo”) que, por sua vez, traduzem-se no traslado de aproximadamente 30 mil nacionais japoneses.

O auge da emigração para o Havaí.

Com a eclosão da Primeira Guerra Sino-Japonesa, em 1894, o governo japonês deixou de ocupar-se com assuntos de emigração, transferindo a companhias de emigração civis a responsabilidade pelo recrutamento e pelas providências com relação ao envio dos emigrantes. Daí em diante, numerosas companhias de emigração foram surgindo — Kōbe Transportes Marítimos & Cia. [Kōbe Tokō Gōshi-gaisha], Transportes Ultramarinos S/A [Kaigai Tokō Kabushiki-gaisha], Makoto Morioka (particular), citando-se somente alguns exemplos — e passaram a fazer a remessa dos emigrantes para o Havaí, todas competindo entre si.

O recrutamento e o envio de emigrantes para o Havaí esteve temporariamente proibido logo após a anexação do Havaí pelos Estados Unidos, em função do surgimento de movimentos anti-japoneses naquele país em 1899, mas, sentindo o Havaí a necessidade da mão-de-obra japonesa, a emigração acabou sendo reaberta em agosto de 1901, visto que não se poderia impedir a emigração, desde que os emigrantes se oferecessem por livre e espontânea vontade. Até a assinatura do “Gentlemen’s Agreement” [Acordo de Cavalheiros], em 1907, a emigração para o Havaí manteve-se num movimento de plena ascensão, tendo os números de emigrantes oscilado entre 10 e 25 mil indivíduos saídos a cada ano.

As “cinco companhias” e o Movimento Reformista.

Nesse período, as companhias responsáveis pelo recrutamento de emigrantes para o Havaí — Transportes Ultramarinos S/A [Kaigai Tokō Kabushiki-gaisha] (sede em Hiroshima), Tōkyō Imin & C.ia [Tōkyō Imin Gōshi-gaisha], Morioka & C.ia [Morioka Shōkai], Nippon Imin & C.ia [Nippon Imin Gōshi-gaisha] (sede em Kōbe) e Kumamoto Imin & C.ia [Kumamoto Imin Gōshi-gaisha] — eram chamadas de “as cinco companhias”. Agindo sempre em conjunto com o Banco Keihin, as cinco companhias retiravam o pecúlio dos emigrantes através de empréstimos e depósitos, que eram solicitados sob a alegação de que era necessário fazê-los para provar que se tinha dinheiro de fato, embolsando com isso uma grande quantia monetária. Até que, em maio de 1905, surgiu no Havaí um movimento de contestação chamado “Movimento Reformista”, criado por imigrantes que haviam se indignado com a prática e que levou o Ministério das Relações Exteriores a restringir as atividades dos diretores das companhias de emigração no Havaí, além de proibir que o Banco Keihin obrigasse os imigrantes a fazer empréstimos contra a sua vontade. De forma que, até a primavera de 1906, mais da metade dos executivos do Banco Keihin e dos diretores das companhias de emigração que haviam se deslocado para o Havaí deixaram o arquipélago.

Remessa de emigrantes para outros países ou regiões.

Além do Havaí, outros países receberam imigrantes japoneses nesse período, a saber: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Caledônia, Fiji, algumas ilhas no oeste indiano (a partir do decênio de 1880), México, Peru e Filipinas (a partir do decênio de 1890), havendo para cada país uma companhia de emigração específica.

Planos frustrados: um primeiro projeto para a emigração ao Brasil.

O primeiro pedido de remessa de imigrantes.

A escravidão foi abolida no Brasil em maio de 1888, forçando o governo brasileiro a introduzir o imigrante europeu em território nacional a fim de manter constante a força de trabalho. Em outubro de 1892, aceitou-se introduzir no Brasil também o imigrante chinês e o japonês; com esse propósito em mente, em 1894 viajou ao Japão o diretor da Prado Jordão & C.ia, Charles Alexander Carlyle, que fez em seguida um pedido de remessa de emigrantes à C.ia Yoshisa de Emigração [Yoshisa Imin-gaisha]. Como, no entanto, ainda não houvesse um tratado de comércio firmado entre Japão e Brasil, a remessa não chegou a se concretizar.

A Sociedade Colonizadora. Visita do parlamentar Shō Nemoto ao Brasil.

Em julho de 1894, passado pouco tempo desde a visita de Carlyle ao Japão, Shō Nemoto, da Sociedade Colonizadora, visitou a Guatemala, a Nicarágua e o Brasil na condição de funcionário do Ministério das Relações Exteriores e, em seguida, enviou à mesma Sociedade uma carta indicando serem promissoras à emigração. No entanto, a posição do Ministério era de cautela em relação ao Brasil, onde os trabalhadores tinham que se submeter a trabalhos de baixa categoria (da resposta emitida pelo secretário do comércio do Ministério das Relações Exteriores, Saburō Fujii, durante a discussão da Lei de Proteção ao Emigrante realizada em 1896 no Parlamento).

O incidente com o vapor Tosa-maru: a viagem cancelada pouco antes da partida.

Em janeiro de 1897, para realizar a primeira remessa de emigrantes, a C.ia Yoshisa de Emigração [Yoshisa Imin-gaisha] enviou ao Brasil o funcionário Chūkitsu Aoki a fim de que as negociações com a Prado Jordão & C.ia fossem acertadas. Em maio do mesmo ano, Aoki enviou um telegrama confirmando a assinatura de um contrato provisório à companhia; em seguida, com a autorização do governo, um contrato definitivo foi formalmente firmado entre o representante da Prado Jordão & C.ia em Yokohama e a C.ia Oriental de Emigração [Tōyō Imin-gaisha], que assumiu a responsabilidade pelas atividades da C.ia Yoshisa de Emigração [Yoshisa Imin-gaisha]. Contudo, pouco antes da partida do vapor Tosa-maru, com os 1.500 emigrantes da primeira leva, a 15 de agosto do mesmo ano, um telegrama informou que “problemas financeiros haviam precipitado o rompimento do contrato”, provocando assim o cancelamento da remessa destes primeiros emigrantes (o chamado “incidente com o vapor Tosa-maru”).

A partir do incidente mencionado acima, os dois próximos ministros plenipotenciários a passarem pela Legação Japonesa no Brasil (Sutemi Chinda e Narinori Ōkoshi) mostraram-se bastante negativos em relação ao envio de emigrantes japoneses ao Brasil. Em novembro de 1897, a C.ia Japonesa de Emigração [Nippon Imin-gaisha] chegou a assinar um contrato provisório com a firma Angelo Fiorita & C.ia (com sede no Rio de Janeiro); em agosto de 1901, Sanz de Elorz, da mesma firma, em visita ao Japão, fez às companhias emigratórias de diversas regiões propostas de recrutamento de emigrantes, novamente sem sucesso. O fracasso nas negociações de Sanz de Elorz deve-se, sobretudo, à política contrária à emigração adotada pelo Ministério das Relações Exteriores, embasada sobre o pessimismo dos já citados ministros-residentes da Legação.