Capítulo 1 - Os anos que precederam a imigração. (2)

As teses sobre a colonização e a política emigratória.

As teses de Takeaki Enomoto.

Em junho de 1887, Kakugorō Inoue, discípulo de Yukichi Fukuzawa, adquiriu um lote de terras em Sierra Nevada, nos Estados Unidos, e transformou-o numa colônia onde entraram cerca de 30 indivíduos procedentes de Hiroshima; dois anos mais tarde, Tatsuji Arai trouxe para o estado de Washington mais 50 indivíduos naturais de Kumamoto (ambas as tentativas foram infrutíferas). Até aquele período, somente pessoas sem capital para investir ou com baixo grau de escolaridade haviam sido recrutadas para a emigração, indo trabalhar na mineração ou executando tarefas de extremo rigor nas fazendas, sempre com a intenção de acúmulo rápido de pecúlio e retorno ao país de origem.

Takeaki Enomoto, que assumira o Ministério das Relações Exteriores em maio de 1892, divisou um novo projeto colonizador, segundo o qual os emigrantes não mais partiriam com a idéia de acúmulo pecuniário e retorno, mas sim desbravariam terras virgens, adquiridas ou alugadas com o capital do governo, e ali permaneceriam. A fim de concretizar esse projeto, Enomoto esboçou a criação do Departamento de Emigração e a realização de pesquisas de campo a fim de determinar qual seria o país mais propício à emigração. Contudo, nenhum dos sucessores de Enomoto demonstrou interesse pelo projeto após o seu desligamento do Ministério.

Na expectativa de pôr em prática seus intentos, o próprio Enomoto, após renunciar ao cargo, em fevereiro de 1893, fundou a Sociedade Colonizadora e planejou a criação de uma colônia japonesa no México (chamada “Colônia Enomoto”). Para tanto foi criada a C.ia de Colonização Nipo-Mexicana [Nichiboku Takushoku-gaisha] e, em seguida, um lote de terras foi adquirido a prestações anuais. A remessa de 34 emigrantes ocorreu finalmente a março de 1897; o projeto, porém, não pôde ser concluído devido à falta de capital financeiro.

A política emigratória do Estado.

Discussões houve que dessem crédito à emigração do tipo dekassegui, isto é, aquela que consiste no acúmulo rápido de pecúlio e retorno à pátria — principalmente as que se pautavam pelas políticas paliativas de auxílio aos mais pobres ou que contavam com as remessas de dinheiro do exterior para o Japão. Somente as autoridades do Ministério das Relações Exteriores, que eram responsáveis pelo controle dos emigrantes, eram unânimes em não apoiar esse tipo de prática. O argumento era de que muitos imigrantes seriam empregados em serviços similares aos de um escravo; que aqueles saídos das classes mais pobres, com baixo grau de escolaridade, levariam consigo muitos dos costumes que praticavam em seu país de origem, oferecendo com isso resistência à assimilação. De uma forma ou de outra, esse tipo de emigrante era visto como propenso à criação de problemas; isso representava para muitos a perda da dignidade nacional, ao mesmo tempo em que se aventava a possibilidade de um certo mau-estar diplomático surgir.

O regulamento que zelava pela integridade do emigrante foi publicado em 1894 (Edito Imperial n.º 42 de 1894), sendo substituído pela Lei de Proteção ao Emigrante em 1896. Ambos os decretos visavam a proteger o emigrante de intermediários mal-intencionados através da criação de um sistema para expedição de vistos, outro para a aprovação dos contratos (no caso de emigração por contrato) e outro, ainda, para controlar o pagamento das contribuições impostas sobre os intermediários, limitando assim a remessa de emigrantes.

Em novembro de 1898, no Conselho Superior da Agricultura, da Indústria e do Comércio, órgão consultivo do Ministro da Agricultura e do Comércio, foi decidido que, como o Japão não possuísse o capacidade necessária para lançar mão de uma empresa colonial dessa dimensão — a qual deveria ser acompanhada de um certo capital —, a emigração nos moldes dos dekasseguis não seria estimulada, enquanto que aqueles que já estivessem no ultramar teriam os seus direitos assegurados.

Ao cabo de tudo isso, em 1907, o governo fez uma mudança na Lei de Proteção ao Emigrante, que permitia que as companhias de emigração, uma vez dispondo do capital necessário, adquirissem largas faixas de terra no estrangeiro, delas fizessem fazendas que elas próprias pudessem administrar e nas quais fosse possível empregar o imigrante como mão-de-obra remunerada, para depois dividir o terreno e vendê-lo a este último — facilitando assim a fixação do imigrante no país receptor. Essa medida, no entanto, nunca significou apoio, por parte do governo, à emigração de caráter colonizador, e sim de coordenar as atividades das companhias e a oferecer proteção ao emigrante — ou seja, dar continuidade àquilo que já vinha sendo feito.

O movimento anti-japonês na Austrália e na América do Norte.

O movimento anti-japonês nos Estados Unidos.

Além de oferecer os melhores salários (de acordo com o Kaigai dekasegi annai [Guia do decassegui], um riquixá ganhava em média de 40 a 50 sen por dia no Japão; um colhedor de frutas nos Estados Unidos ganharia entre 2 ou 3 ienes, enquanto que um seringueiro ou um trabalhador de uma fazenda de café no Peru ganharia por volta de 1 iene), os Estados Unidos também ofereciam condições mais atraentes aos trabalhadores na época. A partir de 1887, observa-se um aumento acelerado no número de emigrantes que partiam para os Estados Unidos sonhando acumular dinheiro e retornar ao Japão em breve. Em 1890, mais de 2 mil japoneses já viviam nos Estados Unidos; esse número chegou a 6 mil em 1895 e, em 1899, atingia a marca de 35 mil pessoas. Com o aumento no número de imigrantes, porém, sobreveio a diminuição dos salários dos trabalhadores norte-americanos, em conseqüência dos baixos salários pagos aos trabalhadores japoneses; a isso acresce-se o desconforto provocado pela relutância dos imigrantes em abandonar seus costumes e as teses do chamado “Perigo Amarelo”, criadas a partir da ascensão do Japão após a Guerra Russo-Japonesa — que, juntos, convergiram para o surgimento dos movimentos anti-japoneses entre os norte-americanos.

O Acordo de Cavalheiros (“Gentlemen’s Agreement”).

Em fevereiro de 1900, a emigração para os Estados Unidos e o Canadá foi proibida pelo governo. Essa medida acalmou temporariamente o movimento anti-japonês nesses países; no entanto, o aumento no número de reimigrantes vindos do Havaí, do México e do Canadá após a Guerra Russo-Japonesa teria levado as escolas públicas de São Francisco a segregarem os alunos de ascendência japonesa dos demais estudantes. Diante dessa situação, o então presidente dos Estados Unidos sancionou, em março de 1907, uma lei que vetava a entrada de imigrantes japoneses e coreanos, com passaportes visados para emigração ao México, ao Canadá e ao Havaí, na porção continental do território americano; em troca, foi restituído aos estudantes de ascendência nipônica o direito de freqüentar as escolas públicas de São Francisco.

Em dezembro do mesmo ano, foi firmado entre o ministro das relações exteriores do Japão (Hayashi) e o embaixador norte-americano no Japão (O’Brien), o chamado “Acordo de Cavalheiros”, que previa o fim da emissão de vistos para imigrantes japoneses para a porção continental do território americano, exceto para os imigrantes-família por carta de chamamento e imigrantes-agricultores permanentes (entendidos pelos americanos como “micro-capitalistas agrícolas”).

Como as sanções à reimigração do Havaí para o continente acarretassem um aumento no número de reimigrantes do Havaí para o Canadá, o governo japonês fechou em dezembro do mesmo ano com o governo canadense um acordo que restringia o trânsito de imigrantes para aquele país.

O movimento anti-japonês na Austrália.

Também na Austrália espoucaram movimentos contrários à imigração japonesa, levando o governo japonês a suspender a emigração para a ilha Thursday (junho de 1907), que pertence ao estado de Queensland (e, em agosto de 1907, ao próprio estado de Queensland). Com a nova Lei de Restrição ao Imigrante de janeiro de 1902, reflexo da política de branqueamento do governo australiano — que exigia que cada candidato à imigração transcrevesse um ditado de 50 palavras em qualquer língua européia —, a imigração na Austrália reduziu-se a um número bastante próximo de zero.

Como praticamente todos os países houvessem fechado as portas ao imigrante japonês, restando às companhias emigratórias somente o Peru entre as destinações possíveis, foram aumentando as expectativas sobre o Brasil como pólo receptor em potencial.