Capítulo 7 - Da reunificação da comunidade nipo-brasileira aos dias de hoje. (1)

A reunificação da comunidade nipo-brasileira.

A Comissão dos Festejos do 4.º Centenário da Cidade de São Paulo.

Com vistas às comemorações pelo 4.º centenário da cidade de São Paulo, a serem realizadas no ano de 1954, em maio de 1952 todas as colônias formadas por estrangeiros começaram a se mobilizar para os festejos. A comunidade japonesa também se mobilizou, juntando forças para a organização das festividades. Entretanto, a cisão ocorrida entre vitoristas e derrotistas ainda não havia chegado ao fim, nem havia um órgão que liderasse a Colônia como um todo.

Com o reestabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, o consulado-geral do Japão em São Paulo pôde voltar a operar, mas, depois de dez anos sem contato nenhum com os imigrantes, o consulado era tão-somente um órgão de representação como outro qualquer. A C.ia de Desenvolvimento Internacional (a KKKK) já havia perdido a força antes mesmo do início da guerra, e a BRATAC, que junto do consulado e da KKKK formava o “grande trio”, sucedido pelo Banco América do Sul, era apenas um nome sem significado.

Foi nesse contexto que surgiu, em 8 de dezembro de 1952, sob a liderança do diretor-geral da Fazenda Tōzan, Kiyoshi Yamamoto, a Comissão dos Festejos do 4.º Centenário da Cidade de São Paulo, o primeiro órgão unificador da comunidade japonesa. Através dos esforços conjugados para os preparativos do aniversário de São Paulo, a colônia japonesa — tendo como foco a colônia da cidade de São Paulo — tornou-se outra vez uma só.

A Sociedade Paulista de Cultura Japonesa.

Em 17 de dezembro de 1955, depois da dissolução da Comissão dos Festejos (ocorrida em 15 de outubro), foi fundada a Sociedade Paulista de Cultura Japonesa (Bunkyō), destinada a se tornar o eixo central da colônia japonesa e ocupar o lugar deixado vago pela Comissão.

Em novembro de 1956, foi criada a Comissão dos Festejos do Cinqüentenário da Imigração Japonesa no Brasil, que tinha o Bunkyō como peça-chave. Além de comandar as festividades do cinqüentenário, em 1958, a mesma Comissão também deu suporte ao recenseamento da colônia japonesa e deu início à construção do Centro de Cultura Japonesa (atual prédio do Bunkyō. A primeira parte do edifício foi concluída em abril de 1964) como parte das atividades dos festejos.

Em maio de 1967, estiveram no Brasil o então príncipe-herdeiro do Japão, Akihito, e a princesa Michiko, sua esposa, tendo a recepção ao herdeiro do trono sido comandada por uma comissão organizadora liderada pelo Bunkyō. A Colônia, então, estava em grande alegria. Em junho de 1978, por ocasião dos festejos do septuagésimo aniversário da imigração japonesa no Brasil, foi construído no edifício do Bunkyō o Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil.

Os imigrantes do pós-guerra.

A reabertura do fluxo imigratório — os imigrantes “Matsubara” e os imigrantes “Tsuji”.

Ao passo que mais de 6 milhões de japoneses retornavam à pátria do campo de batalha ou após trabalhar no ultramar, as únicas oportunidades de emprego estavam na agricultura, nos pequenos estabelecimentos comerciais urbanos ou no trabalho informal, sendo natural que a reabertura da emigração para o Brasil fosse muito aguardada.

Em 1.º de julho de 1952, o então presidente Getúlio Vargas permitiu a Yasutarō Matsubara, com quem tinha relações pessoais, a introdução de 4 mil famílias na região Centro-oeste, e mais 5 mil famílias na região Norte, a pedido do ex-diretor executivo do Centro de Pesquisas Agronômicas da Amazônia — que havia obtido sucesso com o plantio de juta —, Kotarō Tsuji.

Em conseqüência desse acordo, em 11 de fevereiro de 1953 chegaram ao porto de Santos dezoito famílias (54 pessoas) destinadas ao plantio de juta na bacia do rio Amazonas (imigrantes “Tsuji”, que deveriam trabalhar sob o comando das famílias já assentadas naquela região) e, em 7 de julho, desembarcaram outras 22 famílias (112 pessoas — imigrantes “Matsubara”) destinadas à Colônia Dourados, no Mato Grosso.

O maior entrave à reabertura da imigração era o custo das passagens de navio, que foi resolvido depois que o governo japonês se comprometeu a emprestar o dinheiro aos emigrantes (com 5 anos de carência e total de 15 anos para restituir o empréstimo em parcelas anuais).

O Acordo de 1.º de Julho.

Em 1.º de julho de 1954, Matsubara e Tsuji selaram, cada qual em seu direito, um acordo com o Instituto de imigração e colonização do Ministério da Agricultura (“Acordo de 1.º de Julho”). Até o estabelecimento de um contrato formal entre os dois países, os imigrantes “Tsuji” (destinados à região Norte) somaram um total de 315 famílias (1.036 pessoas), distribuídos entre os anos de 1953 a 1963, enquanto que os imigrantes “Matsubara” (destinados às regiões Centro-oeste e Sul) alcançaram a marca de 202 famílias (1.073 pessoas) e 158 indivíduos solteiros (total de 1.231 imigrantes), entrados entre os anos de 1953 a 1961. O “colono” (imigrante contratado), porém, não constituía a base da imigração no pós-guerra. A maior parte dos imigrantes era responsável pela colonização, devendo fazê-lo em colônias administradas pelo governo federal ou estadual.

Além dos imigrantes “Tsuji” e dos imigrantes “Matsubara”, havia os seguintes tipos de imigrantes:

Imigrantes sericicultores.

A reabertura da imigração não foi recebida de maneira particularmente positiva em São Paulo, onde a lembrança dos ataques terroristas ainda estava fresca na memória. Entretanto, como 90% dos membros da Associação Paulista dos Sericicultores fossem nikkeis, foi autorizada, após manifestações favoráveis, a vinda de técnicos em sericicultura do Japão a fim de trazer novos progressos à sericicultura no estado.

Até 1959, entraram no estado 200 famílias (1.251 pessoas) com esse propósito. A entrada de imigrantes sericicultores foi interrompida em virtude da queda expressiva no número de interessados, tendo em vista que, entre 1960 e 1961, somente 63 famílias (367 pessoas) haviam imigrado. Os imigrantes sericicultores também recorriam a empréstimos oferecidos pelo governo para custear o traslado.

Os Jovens Imigrantes de Cotia.

Como a Cooperativa Agrícola de Cotia sofresse com a falta de mão-de-obra especializada nas zonas rurais e, principalmente, na periferia de São Paulo (em decorrência do êxodo rural ocorrido no pós-Guerra), foram feitos pedidos para remessa de imigrantes japoneses. O conteúdo desses pedidos podem ser resumidos da seguinte forma: a Cooperativa Agrícola de Cotia seria a responsável pelo trato dos imigrantes, e para tanto selaria um contrato com a Federação das Associações Japonesas no Ultramar (“Kaikyōren”); a Associação Central das Cooperativas Agrícolas do Brasil faria a seleção e o recrutamento de imigrantes jovens solteiros não-primogênitos e os cooperados se tornariam “patrões” dos novos imigrantes, com os quais seriam selados vínculos empregatícios. Depois de 4 anos trabalhando para o “patrão”, com alimentação e moradia fornecida pelo empregador, o novo imigrante estaria livre.

Em janeiro de 1955 o Instituto de Colonização e Imigração autorizou a vinda de 1.500 imigrantes dentro de 3 anos e, em 15 de setembro de 1955, chegou a Santos a primeira leva de Jovens Imigrantes de Cotia, composta por 109 membros. Até agosto de 1958, 1.500 imigrantes vieram ao Brasil nestes termos. Isso feito, foi autorizada a vinda de outros 1.500 Jovens Imigrantes de Cotia. Até janeiro de 1967, o número de imigrantes entrados nesta condição chegaria a 2.300 indivíduos.

A Liga dos Jovens pelo Desenvolvimento Produtivo.

Desde 1953 o Ministério do Planejamento do Japão já vinha se utilizando dos técnicos da Liga dos Jovens pelo Desenvolvimento Produtivo na primeira linha dos trabalhos conjuntos para uma melhor exploração do território nacional. Surgiu, então, a idéia de também enviar técnicos para o ultramar.

Em junho de 1956, foram trazidos ao Brasil os primeiros dezessete técnicos do referido grupo, na condição de imigrantes convidados da C.ia Brasileira de Imigração e Colonização, intermediados pela Cooperativa Agrícola de Cotia.

O grupo de técnicos foi enviado para as terras da companhia em Serra dos Dourados, no Paraná, onde foram incumbidos de serviços de topografia, construção de estradas e derrubada de florestas. Em 17 de outubro de 1957, foi criada a Associação Central das Cooperativas de Colonização Agrícola de São Paulo, concebida como mecanismo para introduzir os imigrantes técnicos no país.

Em 1958, foi criado um centro de treinamento em Serra dos Dourados, para que os serviços de construção, serviços gerais relativos à agricultura e administração rural pudessem ser executados de forma harmoniosa. Foram trazidos ao todo 301 técnicos da Liga dos Jovens pelo Desenvolvimento Produtivo, trazidos em 10 levas entre 1956 e 1965.

Estagiários de Agronomia da Fazenda Tōzan.

A Fazenda Tōzan, situada em Campinas, no estado de São Paulo, passou a receber estudantes graduados em Agronomia ou formados em colégios agrícolas na condição de estagiário por períodos de um ano ou um ano e meio, com o compromisso de facilitar aos estagiários o acesso a qualquer novo local de trabalho. Foram trazidos ao Brasil exatos 60 estagiários de Agronomia, num total de 3 levas entre 1958 e 1962.

Imigrantes industriais.

Acompanhando o processo de industrialização do Brasil e o avanço das empresas japonesas no país, também foram trazidos ao país técnicos industriais especializados (chamados posteriormente de “imigrantes técnico-industriais”). Os primeiros a emigrarem nestas condições foram os 16 técnicos contratados pelas Tecelagens Gasparian, no Rio de Janeiro. A principal empresa a se beneficiar deste tipo de imigração foram as Indústrias Hōwa S/A, estabelecidas em Mogi das Cruzes, no interior paulista, que começaram o recrutamento em 1957. Ao todo, foram mais de 200 técnicos contratados em um período de cerca de duas décadas.

Imigrantes espontâneos/por carta de chamamento.

Além dos imigrantes especializados, como os imigrantes “Tsuji”, os imigrantes “Matsubara”, os imigrantes sericicultores e os Jovens de Cotia, havia os casos de imigrantes espontâneos, às vezes indicados por carta de chamamento, que eram incluídos na quota de 2.849 imigrantes/ano prevista na lei de quotas para imigrantes estrangeiros, de 1934 (a “Lei dos 2%”). Os imigrantes por carta de chamamento caíam sob a responsabilidade de um intermediário e a sua entrada no país passou a ser regulada a partir de setembro de 1948, com o estabelecimento da Missão Brasileira no Japão. Dos 46.301 imigrantes japoneses entrados no país entre 1952 a 1965, 22.217 eram imigrantes por carta de chamamento. Especula-se que não eram poucos aqueles que vinham com o compromisso de trabalhar na agricultura e empregavam-se em outras atividades na cidade de São Paulo.

“Imigrantes velhos” e “imigrantes novos”.

Com base no tempo de permanência no país, os imigrantes que já estavam radicados aqui há mais tempo passaram a chamar aqueles que haviam chegado há pouco tempo de “imigrantes novos”. Quando o assunto era o modo de pensar, havia uma grande lacuna entre os que deixaram o Japão do pré-Guerra e vieram viver no Brasil e os que emigraram durante o período pós-Guerra. Era diferente o modo que os “imigrantes velhos” tinham de ver o mundo, tendo alcançado o sucesso econômico e acumulado uma certa quantidade de bens, daquele que os recém-chegados “imigrantes novos”, que haviam emprestado até o dinheiro da passagem, tinham de entender as coisas. Em conseqüência disso, surgiram dentro da colônia nipo-brasileira uma série de atritos envolvendo os “velhos” e os “novos” imigrantes.

Além disso, havia também o problema dos salários. O período de trabalho imposto aos “novos imigrantes” sob o comando dos “velhos” era longo e os salários eram tão baixos quanto possível. Os “velhos imigrantes” achavam natural que os “novos”, por serem inexperientes, recebessem salários menores e que isso devia ser encarado com paciência, mas os “novos imigrantes” demonstravam insatisfação.

Entre o fim de agosto e o mês de setembro de 1954, esteve no Brasil o crítico Sōichi Ōya, que descreveu a posição dos “velhos imigrantes” em relação aos “novos” da seguinte maneira: “tendo chegado ao lugar que hoje ocupam depois de suportar durante longo tempo condições adversas, os ‘velhos imigrantes’ acreditam que é necessário submeter os ‘novos imigrantes’ às mesmas condições” (comportamento que o crítico chamava “o complexo do sub-oficial”).