Capítulo 2 - Do início da emigração aos imigrantes da primeira fase. (2)

O traslado. A chegada à fazenda. Deixando a fazenda.

O traslado a bordo do Kasato-maru.

Para que a remessa dos imigrantes se completasse, o Kasato-maru havia sido fretado da C.ia Oriental de Emigração [Tōyō Imin-gaisha]. Uma vez dada a autorização, o Ministério das Relações Exteriores exigiu, da C.ia Imperial de Emigração, o pagamento de mais uma taxa, equivalente a 50 mil ienes.

Como até o dia 10 de abril a C.ia ainda não houvesse pago a taxa, a partida do vapor — que estava prevista para o dia 12 — teve de ser adiada três vezes, ao todo. No dia 25 daquele mês, a C.ia conseguiu que, do total de 50 mil ienes, fossem pagos somente 30 mil, deixando-se o restante a ser pago posteriormente. Assim, a 28 de abril, finalmente pôde o Kasato-maru zarpar do porto de Kōbe. Passando por Cingapura e pelo Cabo da Boa Esperança, o vapor chegou ao porto de Santos, no estado de São Paulo, no dia 18 de junho.

A remessa dos imigrantes às fazendas de café.

Do porto de Santos, os imigrantes foram levados de trem até à cidade de São Paulo, onde até o dia 25 de junho permaneceram hospedados nas modernas instalações da Hospedaria dos Imigrantes, dali seguindo para seis grandes fazendas na condição de trabalhadores rurais (“colonos”), a saber: Dumont (linha Mogiana), Guatapará (linha Paulista), São Martinho (linha Paulista), Floresta (estação Itu, na linha Ituense, atual município de Itu), Canaã (linha Mogiana) e Sobrado (linha Sorocabana).

Para cada fazenda havia sido designado um intérprete, que eram, por sua vez: Umpei Hirano, Sakae Mine, Motohisa Ōno, Junnosuke Katō, Takashi Nihei (“os Cinco Intérpretes”) e Teijirō Suzuki.

Ao que tudo indica, a vida nas fazendas foi desde o começo uma grande decepção para os imigrantes. As casas que haviam sido-lhes destinadas nada mais eram que pequenas choças, não havendo sequer camas ou outros móveis em seu interior, de modo que os imigrantes fossem forçados a passar a noite deitados no chão. Os horários dos imigrantes eram regulados por sinos ou cornetas, e o trabalho era supervisionado por um capataz, que podia ou não estar afeito ainda às formas como se controlavam os escravos até 20 anos antes, quando a escravidão ainda existia.

Os atritos surgidos nas fazendas.

Além de ter sido difícil a colheita, naquele ano, muitos imigrantes perderam parte dela por conta do atraso na partida do vapor e demoraram a habituar-se ao novo tipo de trabalho, de modo que não só pouco café foi colhido, como também os vencimentos foram menores. Na fazenda Dumont, onde as condições eram piores, dificilmente uma família de três pessoas conseguiria juntar, ao cabo de um dia, a quantia de 1.500 réis (o equivalente a 0,90 ienes), dado o desgaste dos pés de café e a safra ruim reservada àquele ano. A isso acrescem-se os altos preços das mercadorias, que tornavam impossível aos imigrantes adquirirem com tranqüilidade os víveres necessários à sua subsistência, muito menos guardar suas economias.

Já no início do mês de julho, passado pouco tempo desde a chegada ao país, o descontentamento entre os imigrantes era tamanho que os protestos e as agitações não tardaram a acontecer, forçando Ryō Mizuno e Shūhei Uetsuka, da C.ia Imperial de Emigração, e Arajirō Miura, intérprete da Legação, a dirigirem-se prontamente às fazendas em agosto. Conta-se que os imigrantes teriam colocado da seguinte forma a sua situação diante de Uetsuka: “fosse para trabalhar somente pelo alimento, teríamos ficado no Japão. Sob pena de trazer desconforto aos nossos pais, viemos ao Brasil, mas não podemos trabalhar à semelhança dos escravos, recebendo somente oitocentos réis por dia (0,40 ienes)” (Heika-sei, “O patrono do progresso — diário de viagem de Shūhei Uetsuka”, publicado no número de 22 de junho de 1928 do jornal Burajiru Jihō).

Por ordem de Miura, os imigrantes foram encaminhados novamente à Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, os solteiros sendo mais tarde dirigidos ao trabalho nas estradas de ferro, e os que tinham família, realocados em outras fazendas.

Em setembro, uma greve tomou conta da Fazenda São Martinho, forçando Shūhei Uetsuka, Ryō Mizuno e Arajirō Miura a deslocarem-se novamente até onde se encontravam os imigrantes revoltosos. Desta vez, cerca de 20 indivíduos foram expulsos da fazenda. Com exceção da Fazenda Guatapará, todas as outras registraram conflitos envolvendo os imigrantes. Em todas, a fuga de imigrantes durante a noite repetiu-se sem cessar.

Nota: 1.000 réis = 0,60 ienes (em 1909), 0,70 ienes (em 1911).

Para onde foram os imigrantes que deixaram as fazendas.

Poucos imigrantes da primeira leva fixaram-se nas fazendas. A fim de que o ministro- -plenipotenciário do Japão no Brasil pudesse decidir se a imigração continuaria, o intérprete da Legação, Zōji Amari, esteve nas seis fazendas que acolheram os imigrantes, entre os dias 15 de dezembro de 1908 e 7 de janeiro de 1909, a fim de investigar o paradeiro dos imigrantes. De acordo com o seu relatório, somente 359 imigrantes ainda permaneciam nas fazendas originais a que haviam sido destinados (incluindo-se aqueles que foram realocados, o total sobe para 439).

Mesmo quando os imigrantes adaptavam-se bem ao trabalho na lavoura e o ordenado ia aos poucos subindo, muitos abandonavam as fazendas assim que se informavam a respeito de outros lugares onde as condições fossem ligeiramente melhores. No fim de 1909, esse número havia caído para 239 (incluindo-se aqueles que foram realocados), segundo levantamento feito pelo intérprete Ryōji Noda entre os meses de setembro e outubro daquele ano.

Entre os que deixaram as fazendas, 102 foram para São Paulo (61 exerciam a profissão de empregado doméstico, 12, carpinteiro, 6, cozinheiro etc.), 110 foram para Santos (excetuando-se 12 indivíduos, entre os homens todos haviam tornado-se estivadores), 120 trabalhavam na construção de estradas de ferro, 38 foram para o Rio de Janeiro ou Minas Gerais e outros 160 reemigraram para a Argentina.

A segunda leva de imigrantes: o Ryojun-maru.

O contrato referente à segunda remessa de emigrantes.

Em 25 de novembro de 1908, Ryō Mizuno, da C.ia Imperial de Emigração, obteve junto ao governo do Estado de São Paulo permissão para modificar o contrato inicial, alterando para 1.300 o número de emigrantes a serem enviados no ano seguinte.

Como o relatório do intérprete Amari não indicasse nenhuma reivindicação específica da parte dos 439 imigrantes que permaneceram nas fazendas, o Ministério das Relações Exteriores consentiu com o envio de novo grupo de imigrantes com a condição de que resolvesse (contanto que a C.ia Imperial de Emigração dispusesse de tempo e capital necessários para executar a operação) os problemas ocorridos com os imigrantes da primeira leva, a saber:

  1. restringir a seleção de candidatos a indivíduos afeitos ao trabalho agrícola;
  2. deixar explícito, no contrato, que somente famílias verdadeiras serão aceitas;
  3. não tomar dinheiro aos imigrantes sob a forma de depósito ou qualquer outro pretexto;
  4. não criar falsas esperanças quanto aos vencimentos pagos pela fazenda;
  5. que os emigrantes cheguem ao destino, de preferência, em meados de abril, e no mais tardar, até o final de maio;
  6. os intérpretes devem ser capazes de se expressar em português ou espanhol e ser adequados para liderar os emigrantes.

O item n.º 3 deve-se ao fato de que, antes da partida, a C.ia Imperial de Emigração recolhia o dinheiro dos emigrantes, mas por falta de fundos não conseguia devolver-lho mais tarde.

A transferência para a Sociedade Colonizadora Takemura & C.ia.

Como, no entanto, a C.ia Imperial de Emigração não conseguisse sanar o problema da falta de fundos, o ministro-residente Uchida propôs ao Ministério que exigisse, da C.ia, a participação de uma segunda companhia, ou que uma outra companhia assumisse o contrato em seu lugar.

Sem ter a quem recorrer, a C.ia Imperial de Emigração se viu forçada a transferir a empresa ao capitalista Yoemon Takemura (da Sociedade Colonizadora Takemura & C.ia [Takemura Shokumin Shōkan]); com isso, Ryō Mizuno e Shūhei Uetsuka também deixaram absorver-se pela Takemura.

A segunda remessa de emigrantes foi, enfim, feita pela Sociedade Colonizadora Takemura & C.ia; a 4 de maio de 1910, 906 imigrantes contratados e outros 3 espontâneos partiram do porto de Kōbe e chegaram a Santos em 28 de junho do mesmo ano.

Os imigrantes foram distribuídos entre 17 fazendas; embora algumas fazendas, como a Fazenda Jatahy, tivessem registrado conflitos envolvendo os imigrantes, pode-se dizer, de maneira geral, que a taxa de fixação dos imigrantes aumentou, e, em março de 1911, 681 imigrantes ainda permaneciam nas fazendas que os contrataram.

A interrupção na remessa de emigrantes.

Em 12 de novembro de 1910, a C.ia Oriental de Emigração [Tōyō Imin-gaisha] também firmara com o governo do estado de São Paulo um contrato de remessa de emigrantes, sem haver qualquer relação com a Sociedade Colonizadora Takemura. A mesma companhia tentara, sem sucesso, fazer uma remessa de emigrantes ao Brasil em 1897, no que deu origem ao incidente com o vapor Tosa-maru, e ensaiava agora “uma volta por cima”.

Em 1908, a C.ia Oriental de Emigração enviara ao Brasil Tadao Kamiya, que deu início às negociações com o governo do Estado. As negociações prosperaram e, a partir de 1912, as duas companhias — a Sociedade Colonizadora Takemura & C.ia e a C.ia Oriental de Emigração — ficaram responsáveis pela remessa de emigrantes japoneses para o país.

Em 1914, porém, alegando a má situação dos cofres estaduais e o baixo índice de fixação dos imigrantes japoneses às fazendas que os haviam contratado, o estado de São Paulo rompeu o contrato de aceite de imigrantes e interrompeu o fornecimento de subsídios para o traslado. Dessa maneira, o envio de emigrantes japoneses para o Brasil terminou inevitavelmente cancelado.

  • Artigos de jornais / revistas

    Sociedade Colonizadora Takemura & Cia.

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  • Imagem «Relatório de uma inspeção feita em abril de 1911 no estado de São Paulo»

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  • Imagem «Relatório sobre as condições de vida dos imigrantes (julho/1911)»

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  • Imagem «As condições de vida do imigrante japonês em Guatapará»

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  • Imagem «O imigrante um dia adapta-se ao trabalho que não lhe é familiar»

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  • Imagem «Aulas de português a bordo do navio Seattle-maru (30 de junho de 1917)»

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