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O beisebol no Brasil.

No Brasil — país em que o futebol é o esporte nacional —, o beisebol não é um esporte tão popular. Porém, nas colônias habitadas pelos imigrantes japoneses e seus descendentes, o beisebol era praticado nos dias de folga usando luvas que dificilmente se separavam de seus donos; os bastões eram fabricados de maneira artesanal, e a partida podia ser disputada em qualquer campinho ao ar livre, quadra de esportes ou mesmo num campo de futebol. A partir da segunda metade da década de 30 — fim de uma época em que o número de imigrantes cresceu a olhos vistos —, passou a ser realizado o “Grande Torneio Nacional de Beisebol”, um campeonato onde os times das diferentes colônias se enfrentavam entre si. Quando a equipe de beisebol da Universidade de Waseda veio ao Brasil em 1958, por ocasião do cinqüentenário da imigração japonesa, nenhuma equipe local venceu uma única partida, mas o aprimoramento das técnicas usadas no esporte acabou dando origem a jogadores populares como Henrique Shigeo Tamaki, lançador do Hiroshima Carp. Vejamos, agora, a trajetória de dois atletas do período áureo do beisebol no Brasil.

Kenji Sasahara e o Mikado Club.

Os imigrantes japoneses não foram os primeiros a praticar o beisebol em terras brasileiras. Entre o fim do século XIX e o início do século XX, os técnicos das empresas de iluminação e telefonia americanas já praticavam o esporte no país. No estádio do Palestra-Italia (antecessor do atual Palmeiras), os técnicos já ensaiavam algumas partidas com alguns amantes do esporte no consulado. Por volta de 1917, um jovem japonês já havia se misturado aos norte-americanos e disputava algumas partidas na cidade de São Paulo. Esse jovem chamava-se Kenji Sasahara. Sua presença tornou-se marcante nas partidas do grupo — Sasahara tinha um porte físico bastante avantajado se comparado à média japonesa. Mesmo depois de deixar o time, Sasahara era convidado com freqüência a atuar como lançador nas partidas disputadas entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Nascido em 1889, na província de Shizuoka, Sasahara emigrou para o Brasil em 1915. Depois de abandonar o curso preparatório da Universidade de Keiō por conta dos negócios da família, em 1912, Sasahara esteve na Europa com um amigo da mesma cidade e ambos emigraram em seguida para o Brasil, na condição de emigrantes solteiros. Sasahara esperava estabelecer-se na agricultura através do plantio de tabaco, mas a empreitada não progrediu. Mudou-se então para São Paulo, onde passou a atuar como intermediário na venda de hortaliças com os americanos — através dos quais conseguiu juntar-se ao time de beisebol.

Entre os japoneses residentes no Brasil, já havia apreciadores do esporte; em 1916, quando foi criada a Associação dos Moços de São Paulo, os membros da seção de beisebol da associação disputaram uma partida de “algo muito parecido com beisebol” (a partida inaugural) num descampado — que os imigrantes apelidaram “Akatsuchi-ga-hara” ou “campo Sudan” — que ficava no terreno de uma fábrica de cigarros, localizada logo à frente da ladeira da rua Conde de Sarzedas. A chegada de Sasahara a São Paulo só aconteceria um ano mais tarde. Embora Sasahara jogasse no time dos norte-americanos, não tardou a se encontrar com outros apreciadores do esporte da comunidade japonesa. Não havia jogadores o suficiente para realizar os jogos e não era possível marcar partidas regulares através da seção de beisebol da Associação dos Moços, o que levava Sasahara e os outros praticantes do esporte a pensarem na criação de um time de beisebol formado exclusivamente por japoneses.

Foi criado, então, em maio de 1920, o Clube Desportivo Mikado, que tinha Sasahara como seu presidente. No jogo de estréia do time — uma disputa contra o time dos norte-americanos que terminou em derrota —, Sasahara jogou como lançador. Os adversários normalmente eram os times formados por norte-americanos que viviam em São Paulo ou por tripulantes de navios japoneses e americanos que estivessem atracados no porto de Santos. Conta-se que, fosse pela amizade que surgia espontaneamente entre pessoas com gostos iguais, ou fosse porque os norte-americanos também estivessem em busca de um novo adversário, havia momentos de confraternização entre as duas equipes, às vezes com direito a jantar de despedida. Em novembro do ano seguinte, surgiu a Equipe de Beisebol da Lappa, tornando possível ao Mikado realizar partidas a intervalos regulares. Sasahara, que entre os americanos jogava como lançador, era apanhador entre os japoneses, possivelmente para reduzir as diferenças entre os jogadores.

Sasahara, que havia se empregado na C.ia de Desenvolvimento Internacional — talvez como reconhecimento ao seu status como atleta —, foi transferido para a sucursal de Registro da empresa, onde também dedicou-se a incentivar a prática do beisebol. Liderando a equipe de Registro, Sasahara participou em 1924 do Torneio Naoya Samejima — realizado no Parque da Aclimação, em São Paulo, disputando o troféu oferecido pela construtora de mesmo nome —, do qual foi o primeiro campeão. Foi graças à amabilidade e aos esforços quase passionais de Sasahara que o beisebol foi-se tornando popular na colônia — só em Registro havia cerca de sete ou oito times em determinada época. Sasahara, porém, faleceu em junho de 1926, em decorrência de uma hemorragia cerebral repentina. Teve uma vida curta (morreu solteiro aos 37 anos). Nos jornais que divulgaram sua morte, Sasahara foi descrito como “Kenji Sasahara, mais conhecido como atleta cheio de saúde do que como funcionário da Kaikō (anotação)”.

anotaçãoapelido da C.ia de Desenvolvimento Internacional.

Isamu Yuba e o Aliança Team.

Ao mesmo tempo em que se disputava uma partida de beisebol em memória de Sasahara no descampado da rua Conde, corria pelos jornais a seguinte notícia: “em Aliança, dezenas de bravos campeões formaram um time de beisebol com equipamentos trazidos do Japão”. O mais célebre desses “bravos campeões” era Isamu Yuba, que ficaria conhecido mais tarde como o fundador da Comunidade Yuba. Embora não fosse saído do Kōshien, Yuba — que nos tempos de colégio era conhecido pelo seu punho firme — nutria forte paixão pelo esporte. Enquanto os demais times de beisebol da colônia sofressem com a falta de jogadores e com as desistências por parte daqueles que não podiam custear uma viagem até São Paulo, a Colônia Aliança dispunha do dinheiro recebido em troca do desmatamento da área e pôde mandar seus jogadores ao Torneio Naoya Samejima. Desde a primeira participação do time da Colônia Aliança no torneio — se é válido o nome —, só houve disputas entre o time de São Paulo e o time da Aliança durante três anos consecutivos. Conta-se que, depois de perder, apesar do entusiasmo, para o time do Clube Mikado — que estava nitidamente mal-treinado —, Yuba chorou diante de todos a amargura da derrota.

“Às cinco horas, sorri o Mikado, chora o Aliança. Era este o veredicto do Deus do destino? Dar a vitória a um bando sem treinamento algum? Haverá mesmo um abismo de talento entre os dois — ou a diferença está nas chuteiras?” — lia-se no Nippaku Shimbun (“Diário Nippak”), numa nota bem-humorada. O Aliança, que nascera nos povoados do interior paulista, não tinha os mesmos acessórios de que o urbano Mikado Club desfrutava. Além disso, as defesas exerciam um papel importante no campo irregular do terreno não preparado. Depois de um treinamento intenso, o time da Colônia Aliança venceu o campeonato por três vezes consecutivas. Em 1929, às vésperas da terceira vitória consecutiva, a equipe havia se instalado provisoriamente em Lins para um mês de treinamento — Yuba, ainda com pouco mais de vinte anos, já dava mostras do idealismo e da diligência que ele abraçaria anos mais tarde quando fosse construir a comunidade que leva o seu nome.

Yuba vangloriava-se do fato de ter derrotado três vezes Minoru Yamashita, rebatedor exímio, em seus dias de jogador de beisebol colegial, mas as bolas que ele arremessava à primeira base eram sempre irregulares.

O Grande Torneio Nacional de Beisebol.

Da década de 30 em diante, passaram a ser realizados torneios regionais de beisebol pelo Brasil afora — na região Noroeste, onde ficava a Colônia Aliança, era organizado o Torneio de Beisebol da Noroeste; na cidade de São Paulo, promovia-se o Campeonato de Beisebol da Cidade de São Paulo.

Isso se deve não somente à dificuldade de se transportar o time todo até a capital do estado, mas também ao aumento no número de times e praticantes no interior paulista, acompanhando a expansão dos japoneses por São Paulo.

Em 1936, época em que se registrou uma grande expansão dos japoneses no interior, foi realizado na cidade de São Paulo o Grande Torneio Nacional de Beisebol, com a participação de Bastos, Tietê, Paraguaçu Paulista e São Paulo. O time da Colônia Aliança, que ficou de fora da primeira edição do torneio, participou da segunda graças à adoção de um sistema de eliminatórias regionais que já eram defendidas desde antes. Da terceira edição em diante, o torneio passou a ser financiado pelo Jornal Nippak. Com a cobrança de ingressos, o torneio chegou até a sexta edição, realizada em 1941, ano em que as associações japonesas foram fechadas por conta da entrada do Japão na Segunda Guerra Mundial, fazendo desta a última partida oficial de beisebol no pré-guerra.

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  • Imagem «“Em Aliança, não faltam homens fortes!”»

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